O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) vetou uma prática comum entre as prefeituras do país: cobrar Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em casos envolvendo alienação fiduciária. Esse é um instrumento usado por instituições financeiras e incorporadoras em contratos de financiamento – o tomador do crédito, nessa situação, oferece como garantia da dívida o próprio imóvel adquirido com o dinheiro emprestado.
A decisão que suspendeu a cobrança foi proferida pela 15ª Câmara de Direito Público. O caso envolve uma incorporadora e o município de Sorocaba, no interior de São Paulo, que exigia o recolhimento do ITBI.
Se mantida e replicada a outros processos, afirmam especialistas, terá impacto direto nos cofres municipais. O ITBI está entre os principais fatores de arrecadação das prefeituras de todo o país – que podem cobrar até 3% sobre o valor do imóvel quando há operações de compra e venda.
A discussão envolvendo alienação fiduciária existe porque presume-se que houve a transmissão da propriedade do bem dado em garantia ao negócio. Ou seja, o credor passa a ser o titular do imóvel, enquanto que o tomador do crédito fica somente com o direito do uso (posse direta).
Só depois de a dívida ser totalmente quitada é que a propriedade retorna para o cliente. Já em caso de inadimplência o credor fica com o bem e a dívida é dada por encerrada.
E é justamente nessas situações de inadimplência que se concentra a polêmica aplicação do ITBI. A maioria dos municípios entende pela incidência do imposto e exige que o recolhimento seja feito pelo credor.
As prefeituras se utilizam de um dispositivo da própria lei que instituiu a alienação fiduciária (nº 9.514/97). O parágrafo 7º do artigo 26 estabelece o pagamento do imposto como um dos requisitos para a consolidação da propriedade (que extingue o direito de uso pelo devedor e permite ao credor, por exemplo, vender aquele bem).
No caso julgado pela 15ª Câmara de Direito Público do TJ-SP (processo nº 2163248-21.2017. 8.26.0000), porém, o relator, desembargador Eurípedes Faim, considerou a possibilidade de inconstitucionalidade da cobrança. “Dependendo da natureza jurídica da alienação fiduciária seria aplicada a ressalva constante no artigo 156 da Constituição da República”, afirmou ao deferir o pedido de antecipação da tutela (espécie de liminar).
Para o advogado Rodrigo Antonio Dias, sócio do escritório VBD Advogados e representante da incorporadora no caso, o artigo 156 da Constituição é claro ao estabelecer que a cobrança do ITBI só será permitida quando houver a transmissão do imóvel. E nessas situações de inadimplência, defende, não há mais transferência de propriedade.
“O imóvel já está em propriedade do credor. Isso foi feito anteriormente, no momento em que o bem foi dado em garantia à dívida”, afirma Dias. Ele ainda acrescenta que o imposto também não poderia ser cobrado na etapa anterior. De acordo com o advogado, a Constituição Federal também veta o ITBI por conta de transferência de imóvel em contrato de garantia.
Seguindo esse entendimento, a cobrança do imposto seria possível, então, em dois momentos distintos. No caso de não haver inadimplência, diretamente ao tomador do crédito ou, quando há inadimplência e consequente execução da alienação fiduciária, ao novo adquirente do imóvel (a venda, nesses casos, se dá geralmente em leilão).
A liminar obtida pela incorporadora é a primeira que se tem notícia em favor do mercado, segundo advogados. E, se mantida e replicada a outros processos, deve gerar forte reação das prefeituras.
Luís Rodrigo Almeida, do Viseu Advogados, concorda com a interpretação do Judiciário, mas reconhece que gera polêmica. Ele lembra que São Paulo, o maior do país, está na lista dos que determinam o recolhimento de ITBI nos casos em que o credor executa a alienação fiduciária.
“Está expresso. Qualquer um que abrir o site da prefeitura vai se deparar com essa instrução. Há o entendimento de que o credor só se torna dono, de fato, do imóvel com a inadimplência do devedor”, afirma Almeida.
Ele diz que nos últimos dois anos, em razão da crise econômica, foram muitos os casos de execução de alienação fiduciária em que o escritório atuou. “Em todas elas o devedor não pagou o financiamento e o credor, ao executar a garantia, teve que recolher ITBI”, acrescenta.
Para o advogado, o impacto será positivo ao mercado se a Justiça mantiver o entendimento. “Porque essas operações certamente serão barateadas. Isso é bom tanto para o operador como para o tomador do crédito.”
A Secretaria de Comunicação (Secom) de Sorocaba informa que, depois de ser intimada, a prefeitura vai recorrer da decisão do TJ-SP. “Será objeto de minuta de agravo por parte da procuradoria tributária”, afirma em nota.