Como funciona um contrato de mútuo conversível em participação societária?

mútuo conversível - pessoas conversando em uma sala

O contrato de mútuo conversível é um tipo de investimento realizado normalmente por investidores anjos, em startups em fase inicial, que pode vir a resultar ou não em uma participação societária.

Ele possui duas características principais, uma, que já falamos acima, de investimento, e outra, de empréstimo. 

Quer entender melhor como funciona um contrato de mútuo conversível em participação societária, quais as cláusulas que devem constar neste tipo de contrato e quais os riscos envolvidos? A gente te conta!

Veja também conteúdo completo sobre como fazer um contrato para startups.

O que é um contrato de mútuo conversível?

O contrato de mútuo conversível pode ser entendido como um empréstimo de uma quantia que irá ser convertida em uma participação, cotas ou ações, de uma determinada empresa

É derivado do Convertible Notes (notas conversíveis) muito utilizado em outros países como nos Estados Unidos, por exemplo.

Ele pode ser vantajoso tanto para o investidor como para o empreendedor dono da Startup. A lógica é a seguinte: o investidor empresta uma determinada quantia para a empresa, sabendo que posteriormente o valor emprestado (mútuo) poderá ser convertido (conversível) em cotas ou ações, se tornando então sócio da Startup.

Na prática, o contrato de mútuo conversível é o instrumento jurídico que estabelece uma quantia entregue pelo investidor, que futuramente será convertida em ações/cotas da empresa.

E porque o mútuo conversível pode ser um contrato vantajoso para ambas as partes? Para entender suas vantagens, precisamos conhecer melhor como funciona este tipo de contrato.

Como funciona um contrato de mútuo conversível em participação societária

O contrato de mútuo conversível serve, de uma forma geral, para captação de recursos financeiros. É um “empréstimo” cedido por um investidor que tem como intuito receber, no futuro, proporcionalmente à quantia investida uma participação na sociedade.

Na elaboração do contrato, é previsto o valor investido e como ele será convertido posteriormente. Uma das características do mútuo conversível é o fato do investidor não entrar de modo imediato para o quadro societário da empresa.

E essa é uma das vantagens que tanto investidores como os empreendedores procuram. Você deve estar se perguntando, por que isso?

Pois bem, esse tipo de investimento, chamado investimento anjo, é normalmente um dos primeiros investimentos que as Startups recebem. Ou seja, quando a empresa ainda está em fase de estruturação interna e validação do produto ou serviço.

Com o contrato mútuo de conversível, o investidor limita e afasta de si possíveis problemas jurídicos, principalmente obrigações trabalhistas e tributárias, em um momento em que a startup ainda está em fase de iniciação, visto que até então ele não faz  parte do quadro societário da empresa.

Apesar disso, e de não ter gerência sobre a empresa, o investidor pode atuar como mentor na tomada de decisões, fazer conexões e acompanhar de perto o desenvolvimento do negócio. Dependendo das cláusulas contratuais, o investidor poderá inclusive ter poder de veto em determinadas situações que envolvam o uso do capital da startup. Ele não age diretamente como um sócio, mas pode ter a função de aconselhar.

Assim, uma das grandes vantagens para o investidor que faz contrato de mútuo conversível é não se envolver em possíveis problemas jurídicos, como trabalhistas ou tributários. Eles não atuam como sócio em um primeiro momento da startup, mas também não dividem os riscos do negócio, caso a startup não se desenvolva como o planejado.

Para as startups a principal vantagem do mútuo conversível está na possibilidade de levantar recursos financeiros para o negócio, sem trazer de imediato novos sócios para a empresa, fato que acabaria por burocratizar a tomada de decisão sobre o negócio, em um momento crítico e crucial para os seus fundadores.

Cabe destacar que, no final do prazo estipulado em contrato, o investidor poderá optar por converter ou não a quantia investida em ações na empresa, desta forma, ele garante não sair prejudicado, caso o negócio não dê certo. Veja que a intenção é justamente proteger o investidor durante o período de maturação da empresa, bem como manter a autonomia de seus fundadores.

Além disso, o investidor poderá utilizar o mútuo como uma forma de desconto. Não realizada a compra da participação em uma rodada, o mútuo poderá servir como um desconto para compra em futura rodada de investimento.

Vale lembrar que durante a elaboração do contrato mútuo conversível, as partes têm flexibilidade para estabelecer os investimentos e as cláusulas contratuais.

O que um contrato de mútuo conversível deve conter? 

O contrato de mútuo conversível é considerado um contrato relativamente novo no Brasil, e portanto, atípico.  Não há ainda legislação específica que regulamente esse tipo de contrato. Sim, existe um regulamento para contrato de mútuo, mas que se difere do contrato de mútuo conversível, visto que este, além das características de empréstimo possui também características de investimento. Mesmo assim, pelas vantagens que destacamos acima, ele tem sido muito utilizado.

Vale destacar, que apesar de se tratar de um contrato relativamente simples, ele deve ser redigido com extremo cuidado e atenção. Considere o auxílio de um profissional especializado e evite maiores dores de cabeça no futuro.

Pensando nisso, separamos aqui alguns itens que consideramos indispensáveis na elaboração de um contrato de mútuo conversível. Vem conferir!

Prazo

É necessário estabelecer o prazo em que o investidor irá optar pela conversão ou não. Da mesma forma, caso ele não opte pela conversão, qual o prazo para pagamento do investimento. Outro fator importante em relação ao prazo, é que uma vez vencido, as partes poderão optar também pela renovação do contrato, bem como tratar de novas condições.

Pagamento do valor investido

Além de o contrato prever a data de vencimento do mútuo, nas situações em que o investidor optar por receber a quantia investida, deve ser observado a existência de cláusulas de incidência de juros e correção monetária, formas de devolução do dinheiro, possibilidade de vencimento por descumprimento do contrato, entre outros.

Conversão

O contrato deve prever os procedimentos e características da conversão, caso o investidor escolha converter o valor investido em ações na startup, como por exemplo: o momento da conversão, notificação das partes, possibilidades de antecipação da conversão, a fixação de percentual pré-determinado que será cedida ao investidor, etc.

Direito de propriedade

É essencial que seja determinado desde o início do contrato quem será o titular dos direitos de propriedade industrial ao longo do desenvolvimento da startup, como softwares, patentes e marcas. Na maioria das vezes, a titularidade da propriedade industrial fica com a própria sociedade e não com os sócios investidores, por exemplo.

Obrigações da startup e de seus fundadores

Essas cláusulas de uma forma geral, visam a continuidade da própria Startup e o desenvolvimento de suas atividades As mais comuns são: sobre a remuneração dos fundadores, compromisso dos administradores e lock-up (permanência na startup por um tempo mínimo).

Direitos do mutuante/Investidor

Não podemos deixar de lembrar que apesar de não participar de débitos trabalhistas e tributários até a conversão, o investidor ainda assume riscos colocando o seu capital em jogo.  Logo, as cláusulas que estabelecem os seus direitos devem ser muito bem elaboradas, para que ao final não representem mais uma perda do que um investimento.

Assim, dentre as cláusulas que preveem os direitos do mutante, destacamos as cláusulas de:

  1.  não diluição das cotas: o investidor tem direito de manter o mesmo percentual de participação na startup, mesmo quando a empresa receber mais capital;
  2. acesso à informação: direito de ter conhecimento sobre tudo que ocorre dentro da startup;
  3. representação nos conselhos: direito de indicar possíveis conselheiros para a startup;
  4. preferência de aquisição: nas situações em que existam negociações de participação societária, os investidores do mútuo conversível, devem ter preferência para adquirir mais ações;
  5. preferência de liquidação: em situações de liquidação da startup, o investidor-anjo tem o direito de receber primeiro a quantia a ele devida;
  6. direito a veto: não autorizar determinadas ações administrativas.

Compromisso de confidencialidade

Outra cláusula muito comum em relação aos contratos que envolvem startups em estágios iniciais,  tem sido a cláusula de compromisso de confiabilidade. E como não poderia faltar, ela pode ser prevista também no contrato de mútuo conversível. Ela serve para evitar a divulgação de informações da empresa, sendo que as partes concordam e se comprometem a manter a manter informações e dados da empresa em sigilo.

Como dissemos, essas são algumas das cláusulas mais utilizadas nos contratos de mútuo conversível no Brasil. Fique atento, pois elas não são as únicas, a sua aplicação dependerá do que for acordado entre as partes e da natureza de cada negócio, não esgotando as possibilidades de contratação.

Além disso, apesar das vantagens, existem alguns cuidados que devem ser tomados na hora de realizar o contrato de mútuo conversível. Vamos ver alguns deles a seguir.

Cuidados a serem tomados no contrato de mútuo conversível

Um dos maiores objetivos do investidor é obter um retorno financeiro, certo? No caso do contrato de mútuo conversível isto não é diferente. Quando o investidor anjo realiza o aporte, uma das coisas que ele espera é que a Startup cresça e se valorize, fazendo com que o investimento compense.

Mas nem sempre é o que ocorre, quando o percentual ou a quantidade societária que será convertida em troca do aporte financeiro não é bem definido, pode ser que no momento da conversão, com o aumento do valor da empresa (valuation majorada), a proporção do investimento realizado reste diminuído e o cálculo seja desfavorável ao investidor. Nesses casos, o que pode ser feito é prever uma bonificação ao investidor.

Outro problema, é que via de regra o contrato de mútuo não concede ao investidor direitos que são exclusivos dos sócios, como a sua participação na administração, por exemplo. Assim, quando o investidor antes da conversão passa a participar da administração da empresa, ele pode vir a ser considerado como se sócio fosse, respondendo de forma solidária e ilimitada com os demais sócios.

Além do mais, a empresa que recebe o aporte por meio de mútuo conversível, deve ter em mente que esse valor refere-se a um empréstimo, uma dívida, e portanto um passivo. Logo, se o negócio não der certo, ou se o investidor optar pela não conversão (visto que é uma prerrogativa do investidor), ele poderá requerer o seu pagamento e inclusive executar tal dívida, se for o caso.

Por fim, não podemos deixar de lado as questões tributárias. Quando ocorrer o ágio, que é a diferença entre o valor de mercado do título (valor efetivamente pago) e o valor contábil (nominal do papel), haverá a incidência de Imposto de Renda, por ser considerado como lucro ou ganho de capital. 

Já que entramos neste tema, vamos falar um pouco sobre os tributos que envolvem um contrato de mútuo conversível.

Tributos envolvidos em um contrato de mútuo conversível

Como já dito anteriormente, o contrato de mútuo conversível derivou da cultura norte-americana (Convertible Notes) e foi adotado pelo Brasil. Por essa razão, trata-se de um contrato atípico, ou seja, não previsto pela legislação brasileira.

Por não ter uma forma específica, esse tipo de contrato encontra alguns desafios, principalmente no que diz respeito a sua tributação como investimento. Além de ter características de investimento, o contrato de mútuo conversível não deixa de ser também um contrato de empréstimo.

Além disso, deve-se observar que o contrato de mútuo pode resultar em dois eventos: entrega de valores e obtenção de rendimentos. Esses fenômenos serão tributados de forma diferente, devendo ainda ser observado se a tributação está incidindo sobre pessoas físicas ou jurídicas. 

Confira abaixo a lista de tributos que podem envolver um contrato de mútuo conversível:

  1. IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) sobre Rendimentos do Mútuo Conversível. As alíquotas previstas na legislação incidirão sobre Ganho de Capital na Conversão da Participação, que é a diferença entre o custo da aquisição e o valor da alienação no momento da conversão do mútuo;
  2. IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) sobre Ganho de Capital;
  3. PIS e COFINS;
  4. IOF.

Veja alguns exemplo de alíquotas aplicáveis:

  1. Aporte: IOF (até 1,88% sobre o valor do mútuo) para Anjos-PJs;
  2. Juros e encargos: IRRF de 15% a 22,5%, consoante o prazo do contrato;
  3. Juros e encargos: IRRF de 15% a 22,5%, conforme o prazo do contrato;
  4. Cessão: 15% até R$ 5M (17,5% até R$ 10M, 20% até R$ 30M; e 22,5% acima de R$ 30M).

O que é o valuation da empresa e o que é um Investidor Anjo

Se você já está bastante acostumado com o mundo das startups provavelmente já deve saber do que se tratam os termos “valuation” e “investidor anjo” que citamos nos tópicos acima. Mas pra você que ainda não sabe, não se preocupe, a gente explica!

Valuation é um termo atualmente bastante utilizado no mundo empresarial, e se refere a valoração ou a uma avaliação da empresa, para descobrir qual o seu valor no mercado. Em verdade, se faz um processo de avaliação, para chegar a valuation.

Determinar a valuation não é uma ciência exata, e normalmente esse processo leva em consideração às suas características financeiras, expectativa de crescimento, riscos associados e o seu fluxo de caixa. Por isso ela é tão importante para os investidores, que buscam empresas em ascensão ou com possibilidade de ascensão para injetar seus recursos.

Já o investidor anjo, é como é chamado o investidor das fases iniciais de um startup. Normalmente é realizado por uma pessoa próxima ao empreendedor, aceleradora, ou mesmo investidor profissional. Os recursos disponibilizados podem variar na casa dos 20 mil reais até 500 mil reais, e geralmente serão utilizados na construção de um protótipo ou na demonstração de viabilidade do produto ou serviço.

Se você quiser saber mais sobre os tipos de investidores e rodadas de investimentos, você pode acessar nosso artigo sobre “Startup: como funciona venture capital?”, onde explicamos um pouco mais sobre isso.

Qual a importância do mútuo conversível para Startups

Já falamos muito sobre as vantagens e desvantagens da realização de um contrato de mútuo conversível. Falamos também sobre os cuidados que devem ser tomados no momento da elaboração das suas cláusulas. Mas, e qual a sua importância no mundo das startups.

Sem sombra de dúvidas, quando bem avaliado e bem elaborado, o contrato de mútuo pode ser um grande aliado, e uma ferramenta determinante para o desenvolvimento e crescimento de uma startup, bem como a sua fixação no mercado.

Segundo dados de uma pesquisa realizada pelo Sebrae – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, cerca de 30% das startups “morrem” nos estágio iniciais por falta de investimentos.

O contrato de mútuo conversível é uma forma de investimento simples, rápida e com baixo custos associados quando comparado a outros tipos de investimentos.

Outro fato muito importante está na flexibilidade de precificação, já que para investir em formato de mútuo conversível, não se exige a fixação da valuation, o que muitas vezes é considerado quase impossível para startups em fases iniciais, que sequer possuem ainda produto minimamente viável (MVP – Minimum Viable Product).

Mas lembre-se: todo cuidado é pouco! Os termos deste contrato devem ser bem definidos, priorizando a clareza, simplicidade e objetividade.

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