Atraso de voo: Quando se aplica dano moral

Entenda como ficou o dano moral no atraso de voo após as últimas decisões do STJ

O Direito em si, trata-se de uma ciência social, que assim como a sociedade em geral encontra-se em constante movimento. Isso quer dizer que, ainda que uma norma no passado já tenha sido interpretada de uma forma, nada impede que no presente ou no futuro ela venha a ser interpretada de uma maneira diferente.

Isto acontece para que ela acompanhe a evolução das relações sociais. Um dos exemplos mais famosos deste tipo de interpretação é o adultério. Você sabia que um dia a traição já foi considerada crime, passível de punição pelo sistema penal e tudo? Apesar desta conduta ainda ser moralmente reprovada, a sociedade evoluiu no sentido de não mais considerá-la um crime.

E o que isto tem a ver com danos morais e atraso de voo? Bom, é que alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça vêm mudando a interpretação em como o dano moral se aplica nos casos de atraso de voo.

Essa mudança de entendimento está relacionada com a própria evolução da sociedade e das relações sociais. Antigamente, viajar de avião não era algo assim tão acessível. As pessoas investiam muito dinheiro, tempo e planejamento antes de se aventurar em um voo por aí. Hoje em dia, os preços baixaram muito e a facilidade em comprar bilhetes de companhias aéreas popularizou este tipo de transporte o tornando muitas vezes a melhor opção.

Por que isso muda a percepção do dano moral nos casos de atraso de voo?

É isso que vamos te explicar neste conteúdo. Quer entender melhor o que é dano moral, como ele se aplica nos casos de atraso de voo e o que mudou depois dos últimos julgamentos sobre esse tema? Então continua aqui que a gente te conta!

O que são danos morais?

Antes de adentrarmos no dano moral pelo atraso de voo, vamos entender o que é dano moral. Torna-se um pouco mais fácil entender o dano moral, quando o comparamos com o dano material.

O dano material, de uma forma geral, é um pouco mais fácil de ser compreendido. De acordo com o disposto no artigo 186 do Código Civil, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Imagine que Mário tenha se envolvido em um acidente de carro em que o outro motorista tenha avançado o sinal vermelho. O ato ilícito (avançar o sinal vermelho) do outro motorista causou avarias no veículo de Mário, e portanto lhe causou danos.

Ainda de acordo com o Código Civil (Artigo 927), “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. No nosso exemplo, a avaria no veículo é um dano material, e quem causou esse dano tem o dever de repará-lo. Qual o valor a ser reparado? O valor a ser reparado deve corresponder à extensão do dano.

No dano material, essa análise é simples. O valor a ser reparado seria o valor gasto em decorrência da avaria.

Agora imagine que quando este acidente ocorreu Mário estava a caminho do hospital para testemunhar o nascimento do seu primeiro filho, mas ele acabou perdendo este evento. É aqui que entra o dano moral.

A doutrina vem amplamente conceituando dano moral de diferentes formas. Em suma, o dano moral é uma lesão, ou dano, causado por uma ato ilícito, assim como no dano material, mas que fere intimamente os bens personalíssimos de uma pessoa. Está atrelado ao sentimento de angústia, dor, sofrimento e tristeza de um indivíduo.

Ao contrário do que muitos pensam, o que diferencia o dano moral e o dano material não é a lesão em si, mas os efeitos, a repercussão que essa lesão pode gerar. Assim, a legislação que prevê o ressarcimento ou compensação pelo dano moral, visa proteger os bens imateriais, tanto de pessoas físicas como jurídicas, de qualquer agressão.

Então, é possível que além de danos materiais, Mário possa requerer o ressarcimento de danos morais por ter perdido o nascimento do seu primeiro filho.

Outro aspecto do dano moral, é que como ele é intrínseco a pessoa que sofreu o dano, ele torna-se um pouco mais difícil de comprovar. 

Pensando nisso, em alguns casos, é permitido adotar o dano in re ipsa. Dano in re ipsa, ou dano moral presumido, como o próprio nome já diz, é o dano que passa a ser presumido bastando-se apenas a comprovação do ato lesivo, sendo desnecessária a comprovação da extensão e do efetivo abalo moral sofrido, devido à sua natureza.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera a existência de dano in re ipsa os casos de inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito (AgInt no REsp 1828271/RS, j. 18.02.2020), protesto indevido de título (AgInt no AREsp 1457019/PB, j. 29/10/2019) e uso indevido de marca (AgInt no AREsp 1427621/RJ, j. 20.04.2020), por exemplo.

A questão do atraso de voo era uma das situações em que o STJ cosiderava o dano in re ipsa. No entanto, decisões recentes vêm demonstrando entendimento contrário, no sentido de não mais se admitir a presunção nesses casos sendo, portanto, necessária a comprovação da extensão do dano moral.

Atraso ou cancelamento de voo não configura dano moral presumido!

Muita atenção a esse título. O atraso ou cancelamento de voo não configura o dano moral presumido, isso não quer dizer que não possa ser configurado dano moral nesses casos, só quer dizer que o dano moral deverá ser comprovado.

Vamos analisar agora as decisões que levaram a esse entendimento.

Julgado em agosto de 2019, no Recurso Especial 1.796.716 a parte recorrente buscava a compensação por danos morais, em razão de atraso de voo, sob a alegação de falha na prestação de serviço que infringiria os artigos 14 do CDC, 186, 187, 927 e 944 do CC/02 e dissídio jurisprudencial (entendimento majoritário anterior).

Apenas a título de esclarecimento, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) é citado aqui, pois é aplicável às companhias aéreas e seus passageiros por se tratar de uma relação de consumo.

Continuando, o Recorrente foi capaz de demonstrar nos autos o efetivo atraso do voo, e pleiteou a indenização por danos morais com base na tese em que o dano moral por atraso de voo seria in re ipsa, ou seja, presumido.

Contudo, esse recurso foi julgado improcedente, com base em uma reflexão levantada no julgamento do REsp 1.584.465/MG (3ª Turma, DJe 21/11/2018), acerca deste tema.

Segundo o novo entendimento, não se vislumbra a aplicação da tese de dano moral presumido para as situações de atraso de voo, situações que se tornaram tão comuns no dia a dia nos aeroportos brasileiros.

Ocorre que, o atraso de voo pode ocorrer pelos mais variados motivos, como pelo mau tempo por exemplo, tornando impossível a partida no horário programado. Nesse sentido, admitir o dano in re ipsa em todas as situações de atraso de voo estaria não só legitimando, mas fomentando a famosa “indústria do dano moral”.

No recurso em questão, a Ministra entendeu que não houve dano moral, mas sim um mero desconforto e aborrecimento, e que apesar do atraso, a companhia foi capaz de colocar o passageiro em outro voo e prestou todas as informações e assistência necessária.

Portanto, segundo este novo entendimento, não basta apenas o atraso de voo, mas esse atraso deve ter sido capaz de ensejar um dano extrapatrimonial. Quer ver um exemplo?

Em outra situação de atraso de voo, o STJ reconheceu a configuração de dano moral por atraso de voo, cerca de 9 horas de atraso, mas que impediram o passageiro de participar das últimas horas de vida de seu pai.

Como comprovar o dano moral por atraso de voo?

Primeiramente, vale ressaltar que cada caso é um caso. As situações de atraso de voo devem ser analisadas individualmente e a comprovação do dano moral irá depender muito de cada tipo de situação.

Existe porém um norte, uma direção para a qual podemos ser levados a crer que haverá dano moral em determinadas situações. Algumas dessas situações, inclusive citadas no julgamento  REsp 1.584.465/MG, são:

  1. a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso;
  2. se a companhia aérea ofereceu alternativas para melhor atender aos passageiros;
  3. se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião
  4. se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for considerável;
  5. se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros.

Todos esses itens devem ser analisados em conjunto, mas entendemos que um atraso de voo superior a 8 (oito) horas, por si só, é capaz de gerar dano moral a qualquer indivíduo!

Alguns juízes e alguns desembargadores não concordam e consideram qualquer atraso, mesmo os superiores a 8 horas, ou 24 horas, um mero aborrecimento. Por isso, é sempre bom argumentar e comprovar os demais inconvenientes, especialmente a perda de compromisso.

Lembra do nosso exemplo inicial em que Mário perde o nascimento de seu primeiro filho em razão de um acidente de carro? Agora imagine que Mário não tenha se envolvido naquele acidente de carro, mas que Mário e sua esposa trabalham em cidades distintas. A esposa de Mário está com o parto agendado, e Mário tentando conciliar o trabalho com o nascimento do filho compra uma passagem de avião prevendo chegar pelo menos um dia antes da data marcada para o parto. 

No entanto, o voo de Mário atrasou cerca de 6 horas, não só ele não pôde atender o nascimento de seu filho, como ficou desassistido durante esse período. A companhia aérea não lhe informou o motivo do atraso, não tentou remanejar a sua ida em outro voo, e não foi capaz de confirmar ou cancelar a partida do voo para mais tarde ou no dia seguinte. Além disso, não lhe ofereceu acomodação e nem alimentação.

Para ter direito à compensação por dano moral, Mário precisará não só comprovar o atraso do voo, como aconteceria caso o dano fosse presumido, mas também o descaso da companhia aérea e o evento, nascimento do filho, que perdeu.

Como calcular a indenização por dano moral em caso de atraso de voo?

O valor da indenização será fixado de acordo com o caso concreto e os parâmetros do órgão julgador. Não há uma fórmula matemática que determine como o dano moral deve ser calculado.

A melhor forma de se chegar a uma quantia adequada é ponderando um valor que seja capaz de compensar a dor, o sofrimento ou humilhação sofridos, dentro das circunstâncias do caso, sem que produza o enriquecimento ilícito da parte. Além disso, a indenização deve representar um peso para o ofensor, de modo que ele não venha a agir da mesma forma novamente.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma inovação nesse sentido. Antes da sua edição, era permitido ao requerer uma indenização por dano moral formular um pedido genérico, de forma que o seu montante fosse definido pelo Magistrado.  Agora, o valor pretendido deve desde o início constar na ação.

Este tema ainda é bastante controverso, se o valor dos danos ficaria limitado ao requerido pela parte no processo ou não. A verdade é que além do magistrado, passou a ser parte também do advogado analisar qual seria o quantum devido em cada caso.

A Convenção de Montreal aderida pelo Brasil, que trata de regras do transporte internacional, prevê limites de indenização para alguns casos como no extravio ou perda de bagagem, por exemplo. Apesar disso, o dano moral não pode ser limitado de acordo com os parâmetros desta Convenção.

A Convenção de Montreal

A Convenção de Montreal, dentre outras premissas, visou assegurar a proteção dos interesses dos usuários do transporte aéreo internacional e o estabelecimento de parâmetros indenizatórios equitativos fundados no princípio da restituição.

No REsp 1.842.066 julgado em junho de 2020, o STJ entendeu que a Convenção de Montreal não se aplica ao dano moral, não podendo o quantum indenizatório nestes casos ser limitado ao estabelecido na Convenção, ainda que se trate de transporte aéreo internacional.

Apesar desta Convenção ser de 1999, e o Brasil ter sido signatário em 2006, ela é apenas uma atualização do que era a Convenção de Varsóvia, que é de 1929, ano em que nem falava na possibilidade de indenização por dano moral.

Segundo o Ministro Moura Ribeiro do STJ “Se a norma original cuidou apenas de danos materiais, parece razoável sustentar que a norma atualizadora também se ateve a essa mesma categoria de danos. Quisesse o contrário, assim teria dito”.

Então, quando assunto for dano moral por atraso de voo, ainda que em voo internacional, não há que se falar em limitação de valor em razão da aplicação desta convenção, uma vez que ela não é aplicável neste caso.

Concluindo, apesar de o dano moral em caso de atraso de voo não poder ser presumido, ele ainda é aceitável e não poderia ser diferente. Se  você acredita ter sofrido algum dano procure um profissional especializado e conheça as suas opções. Não deixe seu Direito de lado!

Gostou deste conteúdo? Ficou com alguma dúvida? Quer mais informações sobre danos morais e direito do consumidor? Então deixe o seu comentário ou entre em contato conosco.

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