O mercado de investimentos e de startups ainda é considerado relativamente novo no Brasil. Contudo, este mercado vem crescendo exponencialmente e despertando o interesse de investidores e empreendedores no país.
Segundo a Associação Brasileira de Startups, entre 2015 e 2019, o número de startups no Brasil passou de 4.151 para 12.727, o que representa um salto de 207% durante este período.
Apesar do crescimento, esses números nem se comparam aos investimentos em startups de outros países como nos Estados Unidos, por exemplo, em que este número é bem maior.
No Brasil, investidores e empreendedores ainda encontram uma série de dificuldades. O Marco legal das Startups é um projeto de lei que está em tramitação e pretende facilitar e fomentar o mercado de investimentos.
Contudo, um dos obstáculos que os empresários ainda encontram é a burocracia na hora de formalizar uma startup. Além do contrato societário, como realizar um acordo de sócios para startups? Qual a importância dessa formalização? Qual a diferença entre cotistas e acionistas?
Para responder essas e outras perguntas sobre esse assunto, elaboramos um material exclusivo para você. Ficou interessado? Então continua aqui que a gente te explica!
O que é e qual a importância do acordo de acionistas?
Um acordo de acionistas ou de cotistas é muito importante para regulamentar a relação entre os sócios, especialmente quando entram os investidores.
Dentre os principais objetivos do acordo de acionistas ou de cotistas está a necessidade de se formalizar por escrito aquilo que foi combinado entre os sócios, para que se mitiguem os riscos de conflito entre os sócios, diluição ou conservação indevida da participação societária, entre outras situações que, estando previstas em contrato, não serão um problema para os sócios.
Além disso, o acordo demonstra seriedade no processo, podendo regular a remuneração e forma de distribuição de lucros, tomada de decisões e a definição de estratégias para que prevaleçam os interesses da sociedade em detrimento dos interesses particulares de seus sócios.
Daí a importância de constituir não só o contrato societário nas startups, mas também um acordo de sócios que seja bem definido e não deixe margem para incertezas.
Mas o que é um Acordo de Acionistas ou Acordo de Cotistas?
Os termos acionista, sócio ou cotista muitas vezes são utilizados como sinônimos, porém apresentam diferenças importantes. Para quem está procurando entrar no mundo dos investimentos das startups é de suma importância entender estes conceitos.
No Brasil, existem várias maneiras de se constituir uma sociedade, dentre as mais comuns estão as Sociedade Anônimas (SA) e as Sociedades por cotas com de Responsabilidade Limitada (LTDA).
O termo sócio pode ser utilizado tanto para os acionistas (quem tem ações de uma Sociedade Anônima) ou cotistas (quem tem cotas de uma Sociedade Limitada. Mas qual é a diferença entre elas?
No que diz respeito à operação organizacional, sociedade anônima e sociedade limitada são praticamente a mesma. No entanto, a regulamentação aplicável a cada uma delas e o seu modelo contábil serão bem diferentes. Sobretudo, os que as distingue definitivamente é a extensão da responsabilidade dos seus sócios ou acionistas.
Na Sociedade Anônima (SA), o capital social da empresa é dividido em ações. Nesse caso, os acionistas têm a sua responsabilidade limitada ao preço das ações adquiridas ou subscritas. Isso quer dizer que os sócios respondem até o limite de suas ações nos casos de dívidas da sociedade.
As SA são regidas por uma legislação específica, que é a Lei nº 6.404/76, e o Acordo de Acionistas está disciplinado a partir do artigo 118 desta mesma Lei.
Já nas Sociedade Limitadas (LTDA) o capital social é dividido em quotas e seus sócios compõem o quadro societário da empresa de acordo com a integralização de suas quotas.
Aqui a responsabilidade dos sócios também é limitada ao valor de suas quotas. Contudo, em alguns casos o patrimônio pessoal do sócio poderá ser atingido por dívidas da sociedade quando se tratar de dívidas trabalhistas ou fiscais, por exemplo.
Não há uma legislação específica que trate das Sociedades Limitadas, as quais são regidas pelas regras gerais do Código Civil Brasileiro.
Dessa forma, podemos concluir que o Acordo de Acionistas será utilizado quando se tratar de uma Sociedade Anônima, e o Acordo de Cotistas/Quotistas quando se tratar de uma sociedade Limitada.
O que é imprescindível, e o que deve constar em um acordo entre sócios, com ou sem investidores?
A construção de um acordo deve levar em consideração as várias particularidades de uma sociedade. Por isso, é imprescindível que na elaboração deste tipo de acordo se tenha o acompanhamento de um profissional especializado que esteja alinhado com os interesses da empresa e detenha o conhecimento das leis que norteiam esse assunto.
Dito isto, vamos citar alguns dos itens que são indispensáveis e comuns na hora da elaboração desses acordos. Mas não se esqueça que cada empresa é peculiar e cada um desses itens deve ser avaliado individualmente em cada tipo de negócio. Vamos lá?!
Definição da administração da Sociedade
Quando falamos em sócio investidor, vale ressaltar que o projeto de Lei do Marco Legal das Startups prevê que o investidor não terá direito de administração e nem de voto perante a sociedade.
Nas sociedades limitadas, normalmente, a administração da sociedade é definida no contrato social e ficará a cargo de um ou mais sócios. Porém, isto não é obrigatório e poderá ser escolhido um administrador que não seja sócio, desde que qualificado para o cargo. No Acordo de Acionistas poderão estar previstas regras mais específicas, como por exemplo, quais as qualificações necessárias de um administrador e qual será o tempo de mandato.
Muito comum nas sociedades anônimas, e até às vezes obrigatório, é a previsão da administração por uma Diretoria e a constituição de um Conselho de Administração, definindo-se quais as qualificações necessárias e quantos serão os conselheiros, prazo de mandato, dentre outras coisas.
Quóruns de deliberações
Quórum de deliberação é a definição de uma quantidade mínima necessária de pessoas (sócios) para a aprovação ou não de alguma resolução dentro da sociedade.
Para a definição de qual será o quórum de deliberação a lei prevê regras gerais, mas pode trazer regras diferenciadas dependendo do tipo de sociedade. Regras específicas podem ser previstas também no contrato social ou nos Acordos.
Na sociedade Limitada, em alguns casos é exigido que a aprovação seja unânime, quando não for estabelecido no contrato social ou no Acordo de forma distinta.
Nas Sociedades Anônimas, normalmente, as decisões são definidas de acordo com a maioria de votos dos acionistas presentes na assembleia. Outro fato importante, é que os votos não são contados por acionista, mas sim de acordo com o número de ações com o direito a voto que o acionista detém.
Distribuição dos lucros
A forma de distribuição dos lucros pode ser definida no Acordo de Sócios, desde que dentro do que prevê a legislação. De uma forma geral, os lucros serão divididos de acordo com a participação societária de cada sócio de maneira proporcional.
Mas o acordo pode prever a chamada distribuição assimétrica dos lucros, garantindo ao sócio uma receita que independe da sua participação societária (em equity).
No caso das sociedades anônimas, a fim de proteger os sócios minoritários, é obrigatório pagar 50% do lucro líquido ajustado no caso de omissão das regras no Estatuto da Companhia. Conquanto, se houver previsão no Estatuto Social, poderá ser determinada pela empresa qual será a parte dos lucros que será obrigatória, desde que observado o limite de 25% previsto em lei.
Preferência na transferência de cotas
No direito de preferência, quando houver a intenção de alienação de quotas por algum dos sócios, ele deve dar preferência de compra aos demais sócios perante terceiros interessados. No entanto, aqui também há diferenças entre as sociedades anônimas e limitadas.
Nas sociedades limitadas, se a alienação ou transferência se der entre os sócios, e não houver nada em contrário previsto no acordo, poderá ocorrer livremente. No entanto, os demais sócios poderão se opor, caso venha a representar mais de 25% do capital social.
Nas sociedades anônimas, tanto a transferência entre sócios como a alienação pode ser feita livremente, salvo se o Estatuto Social ou Acordo de Acionistas dispuser de forma contrária.
Direito e obrigação de venda conjunta
Visam proteger o sócio quanto à venda de suas participações societárias. É normalmente conhecido como tag along e drag along.
Tag along é o direito de venda conjunta, quando ocorre a venda de participação societária em que um comprador passe a ter o controle da sociedade, os demais sócios podem também vender suas participações e em iguais condições. Na prática, essa cláusula garante aos sócios minoritários a possibilidade de vender a participação e retirar-se da sociedade que passará a ter outro sócio majoritário.
Drag along beneficia e protege os sócios majoritários, uma vez que, caso eles queiram vender suas participações, eles podem obrigar que os minoritários as vendam também, sob as mesmas condições. É a obrigação de venda conjunta.
Critério de avaliação da Sociedade (Valuation)
Valuation é o nome que se dá para o método de avaliação econômica da sociedade.
Nem sempre o processo de sucessão ou de saída de algum sócio são amigáveis. Portanto, os critérios de avaliação econômica devem estar bem definidos no Acordo de Sócios, a fim de evitar maiores conflitos na parte que caberá ao sócio os sucessores que deixam a sociedade.
Existem várias formas de valuation, baseadas no patrimônio da sociedade, no histórico ou projeção de faturamento, entre outras. Para as startups, definir uma forma coerente de valuation é importante, pois o modelo de negócios tem o objetivo de gerar mais valor a longo prazo do que receita a curto prazo.
Para resolver eventual impasse dos sócios caso um deles queira (ou seja forçado) a vender sua participação aos outros, é muito bom que o acordo tenha a cláusula shotgun. Essa cláusula é muito utilizada para resolver o conflito dos sócios, fazendo com que um deles saia da sociedade.
A cláusula shotgun ou “buy or sell” determina que um sócio notifique o outro a vender suas ações ou cotas por um determinado valor, sendo que, em caso de recusa, ele deverá comprar a participação do sócio notificante na mesma condição.
Dessa forma, o sócio tende a atribuir um preço justo, pois acabará comprando ou vendendo pelo valor estipulado
Sucessão por causa mortis
Via de regra, os herdeiros têm direito a todo o acervo patrimonial, incluindo os bens e as dívidas até o limite do patrimônio.
Com o falecimento do sócio ou acionista os herdeiros têm direito a receber a parte que lhes couber na sociedade, e se tornam sócios ou acionistas de forma automática.
Porém, Acordo de Sócios pode evitar que isso aconteça, garantindo aos herdeiros apenas o recurso financeiro correspondente, e não a admissão deles como sócios.
Quem pode trabalhar na Sociedade
Não há uma proibição ou previsão legal quanto a quantos e quem são os familiares de sócios que podem ou não trabalhar em uma mesma empresa. Nem mesmo, se outros membros podem vir a alcançar, por exemplo, cargos de direção.
No entanto, é viável que o Acordo estabeleça os limites e critérios para que isto ocorra, evitando conflitos de interesses entre os sócios.
Não competição
Na cláusula de não competição podem ser estabelecidas regras que comprometam os profissionais mesmo após terem se desvinculado da sociedade. Normalmente são úteis em relação à ex-sócios, ex-diretores e quaisquer pessoas que tenham pertencido ao conselho de administração ou cargos relevantes.
A título de exemplo, pela cláusula de não competição, o sócio de uma empresa que deixar a sociedade não poderá participar ou exercer o cargo de diretor em uma empresa do mesmo segmento ou concorrente da sociedade a qual pertencia. Normalmente estabelece-se um prazo determinado em que ele ficará impedido e multas no caso do seu descumprimento.
Solução de divergência
Embora o Acordo de Sócios sirva para dirimir situações de conflitos entre os sócios, nem sempre ele será garantia da resolução ou poderá prever todas as situações que poderão gerar conflitos entre os sócios.
Nesses casos, é muito comum que os Acordos tragam uma cláusula que elege um foro ou um câmara de arbitragem competente a solucionar os conflitos que não puderam ser resolvidos entre os sócios de maneira amigável.
Qual a base de um acordo de acionistas?
Vimos no item anterior itens imprescindíveis na elaboração de um Acordo de Acionistas. Você pode até não incluir todos aqueles itens no seu acordo, mas precisa observar no que esses acordos se baseiam em geral.
Para criar um bom Acordo, você deve refletir se no seu documento consta alguma previsão sobre o sistema de governança da sua empresa, parâmetros para transferências de ações e de que forma você e seus sócios pretendem solucionar seus impasses.
Governança
A governança está intimamente ligada à definição da administração da sociedade. Não trata apenas de quem irá administrar, mas de qual o papel dos sócios e a responsabilidade de cada um, e se irá ou não ser implantado um conselho de administração.
É no sistema de governança que se define também quais são as decisões que o administrador ou diretor poderá tomar sozinho ou quais deverão ser submetidas ao consenso dos sócios. Logo, possui relação também com os quóruns de deliberação.
Transferência de Ações
Veja que a transferência de ações está relacionada às causas de sucessão causa mortis, venda e direito de preferência falamos acima.
É importante limitar e disciplinar as formas de ingresso e saída de uma sociedade, e quem e como poderão ser bloqueadas essas movimentações, a fim de preservar os interesses da empresa ou de sócios majoritários, por exemplo.
Solução de impasse
Nem sempre é possível prever como transcorrerá a relação entre os sócios de uma mesma sociedade. Aliás, é comum haver divergências e surgirem impasses que os sócios por si só não conseguirão resolver (deadlocks).
Ter uma mecanismo de solução de impasses previsto no Acordo pode ser determinante para evitar a dissolução de qualquer empresa. Os mecanismos mais comuns são a definição de temas e quoruns de votação, bem como a indicação de câmaras de mediação e arbitragem.
Em último caso, haverá a retirada de um dos sócios, sendo muito interessante a aplicação da cláusula shotgun acima explicada.
Classificação do Acordo de Acionistas
O Acordo de acionistas pode ser classificado quanto à sua finalidade, ao seu conteúdo ou aos seus efeitos.
Quanto à finalidade, o Acordo pode ser de Comando ou de controle, de Defesa, ou Entendimento mútuo. No primeiro caso, como o próprio nome já diz, o objetivo é formar um bloco de controle que que disponha como cláusulas estatutárias poderão ser alteradas ou como poderá ser alterado o capital social, por exemplo. O Acordo de Defesa tem por objetivo proteger os sócios minoritários contra o abuso de poder do bloco de comando que podem fazer um pooling agreement, ou seja, os sócios votam sempre igual, como se fossem um. Já no Acordo de entendimento mútuo visa unificar os interesses tanto dos sócios majoritários como dos sócios minoritários, como com a realização de assembléias.
Quanto ao conteúdo, o Acordo poderá ser dividido em Acordo de voto, de bloqueio ou múltiplo. No acordo de Voto, basicamente, estará definido quem terá direito de voto. O Acordo de bloqueio traz cláusulas como o direito de preferência e a cessão de ações, visando garantir a composição societária da empresa. Já no acordo múltiplo, abordam-se tanto matérias de interesse pessoal como societário.
Quanto aos efeitos, os Acordos podem ser unilateral, bilateral ou plurilateral. Serão unilateral quando obrigarem apenas uma das partes. Via de consequência, será bilateral quando obrigar ambas as partes que o firmaram. E por fim, plurilateral quando se tratar de um grupo de acionistas.
Cláusulas essenciais em acordos de acionistas ou cotistas
Existem cláusulas específicas a serem incluídas nesses Acordos. São elas:
👉Lock-Up
Trata-se da previsão de um período mínimo que determinados fundadores ou administradores devem permanecer na startup. Essa cláusula é muito útil quando se entende que quem iniciou o projeto será indispensável para a sobrevivência da empresa nos seus primeiros anos de vida.
👉Confidencialidade
Mais do que nunca, as empresas e startups estão ligadas ao desenvolvimentos de novas tecnologias. Criar um termo de confidencialidade pode ser fundamental para que informações não sejam divulgadas antes do tempo, o que pode ser determinante para o sucesso da empresa.
👉Earn-out
É a cláusula que estabelece valores mínimos de aporte para participação na empresa. Normalmente esses valores são definidos de acordo com o mercado e parâmetros de venda, metas e lucros da empresa, entre outras variáveis.
Registro do Acordo de Acionistas e Acordo de Cotistas
No caso das SAs, as obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos.
Os Acordos passarão a produzir efeitos a partir do momento do seu arquivamento na sede da empresa com a sua averbação no livro de registro de ações. Caso a empresa emita certificados de ações, tal informação deverá igualmente constar em cada um desses certificados.
Porém, entre os sócios, o acordo produz normalmente os efeitos jurídicos, independentemente de registro, em todos os tipos de sociedades.
No caso das Limitadas, para que produza efeitos contra terceiros, os acordos devem ser registrados na Junta Comercial.
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